João me conta que a aproximadamente 1 ano vinha sofrendo de intensa “ansiedade generalizada” e de “pensamentos intrusivos difusos”. Já estava a algum tempo tomando medicamentos para sua ansiedade, por mais que o medicamento tinha diminuído os sintomas, percebia que estava deixando sua libido mais baixa e estava se sentindo apático tanto em situações tristes quanto em situações alegres.
Estava pensando em parar com o medicamento e intuía que sua ansiedade retornaria, solicita um acompanhamento comigo. Nesse período também havia organizado sua rotina com várias atividades físicas: corrida, musculação, novos hábitos alimentares e de estudo.
Ele não me pedia uma análise, pedia que eu o acompanhasse no “desmame do medicamento”.
Porém, ao longo dos meses João foi cada vez mais falando de seus conteúdos psíquicos, foi percebendo que tinha algo nele mesmo que ele não entendia, tinha dúvida se sua ansiedade era mesmo uma causa orgânica.
Até que em uma das sessões disse despretensiosamente: Na nossa primeira sessão você me disse para prestar atenção nos sonhos e nos meus devaneios e lembrei que tenho um pesadelo que me ocorre com frequência e me tira o sono, não faz muito sentido.
Insisto para que ele me conte.
Ele se via em um prédio em colapso. Sentia a estrutura tremer, pedaços caindo ao seu redor, e o terror tomava conta. Todos no prédio permaneciam calmos e rindo de seu desespero.
Pedi que associasse alguns detalhes do sonho, até que disse: “ah… esqueci de falar, esse prédio tem uma cor peculiar”.
Pergunto: que cor?
-Laranja.
O que Laranja te faz lembrar?
– É a cor da empresa que eu trabalho.
Ele tenta rejeitar essa associação, marco e aponto sua relevância e peço para continuar.
João se da conta que o sonho representa metaforicamente seu trabalho. Após isso fiz mais algumas perguntas.
Ele conclui que esses pesadelos começaram logo depois que ofereceram a ele um cargo de liderança e que “coincidentemente” também foi no mesmo período em que saiu com uma colega da empresa e teve uma “disfunção sexual”, se sentiu bastante envergonhado.
Aponto esses significantes: trabalho, liderança e sexo – (dis)função e vergonha.
O sonho veio representar seu medo “das coisas irem abaixo”, sua impotência, seu descontrole, sua insegurança de não dar conta de suas funções e do início da queda de seu ideal tão aclamado pelos homens da família, algo muito marcante no seu mito familiar.
Seus ideais de alta performance, virilidade, eram tão rígidos e inegociáveis que não havia espaço para se permitir ver o que viu após essa manifestação onírica.
O medo que estava difuso, a ansiedade que estava generalizada, pode encontrar um direcionamento, um norte, um sentido. E com isso se abriu uma possibilidade de falar sobre o que não se podia até então: o medo, a morte, a limitação, o desejo.
Não recuar diante da aparente falta de sentido, da incoerência, da confusão e do absurdo.Foi essa a posição de Freud ao investigar os sonhos, mesmo os mais bizarros. Ele não lhes atribuiu um significado mítico ou universal imediato, nem os reduziu a meros acasos de processos cerebrais ou restos diurnos.
Freud nos presenteou com uma análise profunda e rigorosa da função dos sonhos para nossa vida psíquica.A formação dos sonhos se dá por dois mecanismos fundamentais: a condensação e o deslocamento de elementos psíquicos. Lacan os chama de metáfora e metonímia, destacando também o papel do Real no sonho.
Em termos simples, o sonho é uma metáfora, tem uma lógica própria. Para decifrá-lo, é necessário que um analista saiba fazer perguntas certas, tenha o saber dessa lógica.
Na psicanálise, o sonho tem significados únicos e singulares, que só poderão ser desvendados a partir das associações trazidas pelo próprio sonhador.
Freud nos ensina a ler e decodificar essa carta que o inconsciente nos envia, mostrando que há um link, algo em comum entre as imagens, cenas aleatórias e bizarras que inicialmente nos parece sem sentido algum.
Freud, S. Sobre os sonhos.
Lacan, J. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. Escritos.
Jorge, M. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan: As bases conceituais. Volume 1.